domingo, 9 de setembro de 2012

Repressão no Marinha: alguns fatos e três debates sobre o futuro de POA


Na sexta-feira (31) veio à tona mais um caso de abuso policial em locais frequentados pelos jovens de Porto Alegre. Dessa vez, o palco para a violência da Brigada Militar (BM) foi o Marinha, tradicional pico de encontro da gurizada que gosta de assistir o pôr-do-sol do Guaíba, local onde fica a Pista de Skate mais antiga da cidade. A notícia rapidamente se espalhou pela internet e teve repercussão em toda mídia, inclusive em veículos nacionais de imprensa, como o Estadão. E não é à toa. Qualquer pessoa que olha a cena da abordagem pensa que se trata da prisão de um bandido altamente perigoso: são dois policiais rendendo o suposto infrator e mais um, que portava uma arma de grosso calibre, dando a cobertura. Atrás está uma moça, mãe de sua filha, aos prantos com o bebê no colo. O homem detido pela policia é Daniel Venuto, produtor cultural, que, segundo uma postagem feita em seu perfil no facebook, estava apenas filmando a batida da polícia no Parque. Daniel afirma que os policiais cuspiram no seu rosto e ainda jogaram seu celular e a câmera no chão. 

Foto: Arakin Monteiro
Em 22 de agosto, denunciamos aqui no blog a truculência da polícia na Escadaria da Borges. Agora, diante dos fatos ocorridos no Marinha é necessário aprofundar o debate e refazer a questão que apresentamos naquele momento: Quais são os espaços para a cultura e o lazer da juventude em Porto Alegre? Por que essa política de repressão? A violência da polícia é um fato isolado ou corriqueiro? A outra discussão fundamental é sobre a descriminalização e legalização das drogas, em especial da maconha. A BM afirmou que frequentadores do parque pediram para que a polícia agisse e a principal reclamação é que a área não possui segurança e é dominada por “maconheiros”.  Enfim, vamos lá...

1 - A violência policial é parte da rotina dos jovens
Atitudes como essa se repetem em todos os estados do país e fazem com que a população perca a confiança e a credibilidade em quem deveria nos proteger. Uma pesquisa realizada pela Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), revela que 62,5% da população brasileira não confia na PM e 61,4% não confiam na Policia Civil. Para 63,5% as forças policiais tratam as pessoas com preconceito e isso é a mais pura verdade. Na sociedade em que vivemos a polícia serve para defender quem tem o poder, ou seja, a burguesia e os ricos. Vocês já viram a polícia dando uma dura descontrolada num bairro de classe média alta, ou invadindo algum pico dos magnatas e políticos corruptos da cidade? Acho bem difícil! A polícia age centralmente sob um estereótipo: o jovem trabalhador, negro e que tem entre 15 e 25 anos.

Os governos em todas as esferas não tem uma política séria para combater a desigualdade social, esquecem que essa é a principal causa da violência social. Com relação a ação da polícia na cidade, os maiores problemas se encontram na periferia: Bom Jesus, Restinga, Rubem Berta, Santa Tereza e Lomba do Pinheiro são os campeões em violência policial. Já a Bonja, Rubem Berta e Jardim Carvalho registram o maior número de PM’s denunciados por violência policial a negros. Infelizmente é preciso afirmar: a ação truculenta da polícia é recorrente, nos parques, ruas e na periferia da capital. O que ocorreu no Marinha, é um flagrante do que ocorre todos os dias. Esse problema pode ser resolvido se os governos estiverem dispostas a construir uma nova polícia, pois esta, apesar de ter centenas de trabalhadores(as) honestos, está imersa na corrupção. Precisamos de uma polícia que dialogue com a população. A que aí está é uma instituição voltada única e exclusivamente para enfretamentos bélicos, que servem para proteger o patrimônio dos ricos e poderosos. 

2 - A restrição aos espaços culturais públicos da cidade
A prefeitura comandada por Fortunati é responsável pelo crescente cerceamento dos espaços culturais da cidade. É a política de higienização que está sendo aplicada a nível nacional pelos governos, no intuito de preparar a cidade para receber os turistas da Copa, que é financiada por grandes multinacionais. É possível trabalhar com a seguinte comparação: o que não se enquadra nos padrões FIFA não é aceito pela prefeitura!
Repressão policial na 8° edição da Batalha de Rap do Mercado
Para a cultura e a arte independente em nossa cidade, que se criou e fortaleceu nas ruas, isso significa um grande ataque. Exemplo disso é a Lei n°11.213, aprovada no inicio desse ano, que proíbe a realização de eventos culturais no Largo Glênio Peres. Políticas de governo como essa, impedem o desenvolvimento de iniciativas como o Largo Vivo e  a Batalha de Hip-Hop do Mercado, abrindo espaço para a repressão e a violência policial. Outra questão importante é a Cidade Baixa, que sofre um processo de “elitização forçada” pela SMIC, que é coordenada por Valter Nagelstein. A tentativa de fechar o Bambus também está nesse marco.

Mas não para por aí. Temos que ficar ligados na orla do Guaíba, na última semana a prefeitura começou a analisar o pedido de uso comercial do Pontal do Estaleiro, numa clara tentativa de privatização. Outro espaço, o Araújo Viana, que está sendo reformado em conjunto com a OPUS numa obra que custará mais de 15 milhões de reais, também está ameaçado. A questão é que a divisão do calendário é a seguinte: 75% para a produtora de shows e 25% para a Prefeitura, ou seja, aquele Auditório conhecido como espaço popular já era, agora será mais um lugar de shows caros e elitizados.

3 - Por fim, a situação do Marinha e a questão das drogas
Quem é frequentador sabe, há tempos que as coisas estão mudando por lá, é a política que citei acima chegando aos parques da nossa cidade. A duplicação da Padre Cacique cortou parte da área verde em frente a Pista e agora, na reta final da obra, teve inicio uma ofensiva da polícia sobre os frequentadores do parque. Na última semana, além do caso envolvendo a detenção de Daniel, fiquei sabendo de uma jovem negra, que foi levada pela polícia por estar com uma “ponta” de um baseado. Os policiais que deram o "flagrante" estavam a paisana! A imagem de um helicóptero pousando no parque é a expressão da crescente utilização do aparato repressivo por lá, que se esconde atrás das denúncias contras os “maconheiros” e etc.

Todos sabem que o espaço é frequentado por usuários de maconha, isso não é novidade, mas precisamos avançar. Nossa cidade já organizou diversas Marchas da Maconha, a última que ocorreu nesse ano teve grande expressividade, é preciso aproveitar o momento e colocar esse debate em pauta nas eleições. Como diria o Planet Hemp, temos que diferenciar “banqueiros de bancários; mega-traficantes, de meros funcionários”, ou seja, em primeiro lugar, conseguir distinguir o usuário e o traficante. A polícia não faz isso, pois se apoia na ambígua Lei Nacional Anti-Drogas, que abre espaço para as interpretações racistas e preconceituosas da polícia. Uma mudança que leve a descriminalização do uso de drogas é muito importante e já vem sendo discutida entre diversos setores da sociedade, mas parece que Fortunati e as outras candidaturas à prefeitura (Manuela e Villa) ignoram esse debate e estão comprometidos com a repressão e os conservadores que querem manter as coisas como estão.

Marcha da Maconha 2012 - Porto Alegre
Mas, só a descriminalização não basta, precisamos de uma solução para o problema do narcotráfico que cresce em nossa cidade. A legalização da Maconha, com a liberação do plantio individual e o controle da grande produção pelo estado pode ser um primeiro passo importante. Isso já significaria um grande ataque aos chefões do narcotráfico, que lucram milhões por ano. Segundo o estudo de Pierre Koop no livro “A economia da droga”, o comércio das substâncias proibidas movimenta cerca de 500 bilhões de reais ao ano. Desses, cerca de 90% são lavados no Sistema Financeiro Internacional, onde os investidores são protegidos pelo sigilo bancário, os outros 10% ficam nas mãos dos traficantes nas "bocas". Isso é a prova da ineficácia da guerra às drogas, que na realidade é uma guerra aos pobres que sofrem com a repressão e a falta de condições sociais. Discutir a legalização das drogas é se enfrentar com gente que ganha muita grana! É preciso fortalecer a ideia da legalização e do controle estatal das drogas, para que assim seja construído um fundo social, que possa investir em educação preventiva, emprego, saúde e outros serviços essenciais que podem evitar o uso de drogas pesadas, instruir o uso recreativo e também diminuir os seus danos.

Enfim, são debates polêmicos: a violência policial, a restrição dos espaços culturais públicos na cidade e a questão das drogas. Cada um daria um texto, uma palestra e mil debates, mas o fato do Marinha me suscitou a ideia de expor de forma geral essas discussões. Acredito que esses temas serão parte central dos debates em POA nos próximos 4 anos! Seguimos presentando nossas alternativas para a cidade!

2 comentários:

  1. Não entendi a ligação que tentaste fazer entre a brigada e a prefeitura. Para mim, não tem coerência nenhuma, visto que a polícia militar é representante do governo estadual e não do municipal, responsável pela guarda municipal da cidade.

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  2. Olá Lau! A tua colocação é importante, é preciso distinguir o trabalho da BM e da Guarda Municipal. Fiz uma referência aos governos como um todo quando falei da polícia. Há distinção no comando, mas hoje o projeto geral para a cidade, que envolve a questão das obras da copa do mundo e a privatização dos espaços culturais, é organizado tanto pelos governos do PT(Tarso e Dilma), quanto pelo Fortunati. Talvez faltou precisar mais isso, mas de qualquer forma valeu pelo toc!

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